Em maio de 2020 um grupo de pesquisadores brasileiros publicou uma carta na Science intitulada “Brazil policy invites marine invasive Species” (Política brasileira convida espécies invasoras) (Miranda et al., 2020) com um alerta contra o afundamento de cerca de 1.200 veículos (embarcações, aeronaves, tanques de guerra, entre outros) ao longo da costa brasileira sem o devido rito legal e, portanto, sem nenhum estudo de diagnóstico de avaliação de ambiental.
É sabido que as estruturas artificiais, especialmente as mais recentes e, portanto, ainda pouco colonizadas, com espaços vazios ou pobremente colonizados e praticamente sem organismos estabelecidos e competindo pelo território, são alvo fáceis para a colonização de espécies invasoras e este foi o argumento dos autores da carta após o rápido avanço do coral-sol (Tubastraea sp.) nos naufrágios recentes da costa de Pernambuco e do histórico de colonização por estes corais em diversos outros ambientes artificiais em outras localidades.
Em 21 de novembro de 2020 duas embarcações que faziam parte de um projeto da Secretaria de Turismo (SETUR) do Estado da Bahia em parceria com a Associação de Mergulhadores da Bahia (AMERB), sem nenhum vínculo com os 1.200 veículos que o Governo Federal pretendia afundar na costa brasileira e que seguiu os tramites legais exigidos pelo Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (INEMA) da Secretaria de Meio Ambiente do Estado da Bahia foram intencionalmente afundados, o rebocador oceânico Vega e o ferry boat Agenor Gordilho e desde então a colonização vem sendo monitorada com mais de 40 mergulhos realizados com a finalidade exclusiva de registrar dados em ambos os navios.
Em fevereiro de 2021 uma única colônia do coral-sol (Tubastraea coccinea) foi registrada aos 34.4m de profundidade próximo à popa do ferry boat Agenor Gordilho, pelo tamanho da colônia (aproximadamente 6 cm de diâmetro) acredita-se que ela afundou já com o navio uma vez que antes de afundar ele passou um período ancorado no Terminal Marítimo de Bom Despacho onde há colonização deste coral, a colônia registrada foi então removida e desde então nenhuma outra colônia deste coral foi registrada.
Bom, apensar de não ser possível até o momento considerar que o naufrágio do Agenor Gordilho foi colonizado ou serviu de trampolim favorecendo a invasão pelo coral-sol, também em fevereiro de 2021 outro organismo invasor foi registrado, desta vez em ambos os naufrágios, o briozoário-de-renda (Triphyllozoon arcuatum) que em pouco tempo se tornou uma das espécies bentônicas mais abundantes do naufrágio, ficando atrás apenas dos hidrozoários nativos (Gymnagium longicauda e Macrorhynchia philippina) rendendo a publicação da eLetter “Invitation accepted: Invasive species appreciate Brazil’s harmful policies” (Convite aceito: espécies invasoras apreciam as políticas prejudiciais do Brasil) (Almeida et al., 2021) na Science, da qual fizemos parte, corroborando com o alerta da publicação anterior ao alertar para os riscos de bioinvasão através dos afundamentos propositais caso sejam mau planejados.
Apesar da beleza do briozoário, alarmados com a possibilidade de uma espécie invasora utilizar os novos naufrágios para invadir outras áreas da baía de Todos os Santos e se tornar um problema ainda maior como hoje já é o coral-sol, o coral-azul, o siri-bidu e outras espécies invasoras já instaladas na baía de Todos os Santos alguns dos mergulhadores que visitavam estes naufrágios passaram a remover por conta própria as colônias encontradas, de tal forma que final de abril nenhuma colônia era mais vista. Desde então, além dos já abundantes hidrozoários diversas espécies de esponjas, octocorais como o Carijoa riisei, ascídias negras (Phallusia nigra) e outras espécies incrustantes vem ocupando os espaços que antes estavam colonizados pelo briozoário e desde abril nenhuma outra colônia foi vista.
Fica de exemplo que a união de esforços de pessoas com interesses em comum pode fazer uma grande diferença, além de mostrar que é muito mais eficiente tentar eliminar um problema assim que ele é detectado que realizar experimentos e implantar programas de monitoramento e controle como foi feito tanto com o coral-sol quanto com o coral-azul e hoje a sua erradicação da baía de Todos os Santos é praticamente impossível.
Além do coral-sol e do briozoário-de-renda, duas outras espécies invasoras foram registradas nos novos naufrágios, o siri-bidu (Charybdis helleri) e o pequeno peixe (Omobranchus punctatus), porém estas são espécies já conhecidas para a baía de Todos os Santos a mais de
FONTES
Almeida, A.C.S.; Maia-Nogueira, R.; Xavier, E.; Vieira, L. 2021. Invitation accepted: Invasive species appreciate Brazil’s harmful policies. eLetter in response to: Miranda et al., 2020. Brazil policy invites marine invasive Species. Science, 368:481.1 [LINK]
Almeida, A.C.; Maia-Nogueira, R.; Xavier, E.; M. Vieira, L. 2021. Colonies of the lace bryozoan Triphyllozoon arcuatum (MacGillivray, 1889) attached on ships that were sunk in Todos os Santos Bay (Bahia, Brazil) in November 2020. IMG_0346(1).jpg. figshare. Figure [LINK]
Maia-Nogueira, R. 2021. Monitoramento dos Naufrágios do Vega e do Agenor Gordilho : 150 dias : Biota Aquática com foco na fauna de invertebrados (dados qualitativos). EcoBioGeo Meio Ambiente & Mergulho Científico [LINK]
Maia-Nogueira, R.; Menezes, B.L. 2021. Coral-sol (Tubastraea coccinea) registrado no naufrágio do ferry boat Agenor Gordilho. EcoBioGeo Meio Ambiente & Mergulho Científico [LINK]
Maia-Nogueira, R.; Cordeiro, D.A.; Menezes, B.L. 2021. Monitoramento dos Naufrágios do Vega e do Agenor Gordilho : 150 dias : Biota Aquática. EcoBioGeo Meio Ambiente & Mergulho Científico [LINK]
Miranda, R.J.; Nunes, J.A.C.C.; Creed, J.C.; Barros, F.; Macieira, R.; Santos, R.G.; Lima, G.V.; Pontes, A.V.F.; Silva, L.G.F.C.; Cordeiro, R.T.; Sampaio, C.L.S.; Pinto, T.K.; Malhado, A.C.M.; Ladle, R.; PPereira, P.H.C. 2020. Brazil policy invites marine invasive species. SCIENCE, 368:481.1 [LINK]
Autor(es)
Mergulhador e apaixonado pelos oceanos desde a infância.
Desde a década de 1990 está envolvido em ações e pesquisas relacionadas com a biota aquática, tendo sido coordenador de resgate do Centro de Resgate de Mamíferos Aquáticos (CRMA) do Instituto Mamíferos Aquáticos (IMA) e fundador do Centro de Pesquisa e Conservação dos Ecossistemas Aquáticos (Biota Aquática) e do EcoBioGeo Meio Ambiente & Mergulho Científico, e ao longo dos anos participou de projetos de pesquisa e de consultoria na ambiental em parceria com diversas instituições.
Também atua como instrutor de mergulho SDI e PADI.
Tem como objetivo, além de produzir informação de qualidade fomentar o reconhecimento e a qualificação dos mergulhadores científicos.