Documentário: Seaspiracy : Mar Vermelho

Para muitos, a primeira sensação que se sente durante e especialmente após assistir ao documentário é a de vergonha ou de indignação por de alguma forma, mesmo que sem saber, estar de alguma forma segundo as denúncias do documentário contribuindo com a destruição dos mares pela indústria da pesca ilegal, e o documentário ainda lança algumas dúvidas importantes, dentre elas me fez questionar se de fato alguma empresa de pesca realiza pesca legal, e me fz questionar o que seria pesca legal já que no documentário uma simples conta de matemática comparando a quantidade de pescado anos atrás com o que se consegue pescar hoje sugere não existir pesca sustentável?

O diretor Ali Tabrizi e sua esposa que aparecem o tempo todo nas cenas (exageradamente inclusive) em diversos momentos arriscam as próprias vidas em busca da apuração jornalística necessária para construir a narrativa do documentário além de para conseguir imagens fortes e depoimentos que nos chocam ao mostrar uma realidade que supostamente ignoramos.

Cena do documentário que mostra o jornalista e diretor Ali Tabrizi no mercado de barbatanas de tubarões na China

As imagens e as apurações que compõem o documentário não só denunciam práticas ilegais de pesca, como também o trabalho escravo em barcos de pesca, correlaciona o problema da fome e o surto de epidemias nas comunidades tradicionais de países da costa Atlântica africana como a Libéria estão relacionadas à pesca industrial ilegal em suas águas. O documentário denuncia ainda a farsa de um dos mais importantes selos que supostamente atestariam sustentabilidade da pesca de atum com a falsa afirmação estampada nos rótulos “Dolphin Free”, cita o problema do assassinato de observadores de bordo, e colocou em cheque instituições e ONGs com trabalhos bem relevantes por defenderem a prática do consumo sustentável de pescado como forma “ecológica” de proteger os oceanos apesar das próprias instituições assumirem ao serem entrevistadas pela equipe do documentário que não acreditam da pesca sustentável.

O documentário começa falando do diretor, das suas origens e das inquietações em relação ao lixo marinho, em especial o lixo plástico que o levaram para o mar, pois acreditava que este, um dos maiores problemas dos oceanos era o maior de todos, ignorando que outros problemas podiam ser ainda mais graves.

A enorme quantidade de cetáceos que apareciam mortos nas praias europeias, em especial no Reino Unido cujas mortes estavam associadas à ingestão de lixo plástico chocavam Ali até que ele descobriu que o Japão caçava baleias com a desculpa de fazer caça científica justamente quando o país anunciava que não mais se esconderia atrás de desculpa tão esfarrapada, que iria retomar a caça comercial na Antártida apesar da proibição mundial.

Pesquisando sobre os hábitos do Japão a captura de golfinhos em uma enseada de Taiji para abastecer a indústria do entretenimento (parques e aquários) que utilizavam estes animais em seus espetáculos resolveu ir até a cidade ver de perto como a captura era feita, foi quando percebeu que para cada um golfinho capturado vivo muitos outros eram intencionalmente mortos, o que o intrigava porque os golfinhos não só deveriam valer mais vivos, já que eram caros no mercado do entretenimento, como era sabido que os japoneses não consumiam carne de golfinhos. Então para que aquela matança?

Correndo atrás da informação Ali foi parar em um dos maiores portos de desembarque de atum do Japão, e a partir de então, cada nova descoberta levava os repórteres à uma nova descoberta chocante mostrando que no final das contas tudo parece estar interligado, como se fosse uma enorme rede de crimes e corrupção, muitas vezes associadas a políticos, à polícia local e ao crime organizado, especialmente nos países menores e mais pobres. O documentário que começa tão mais do mesmo, aparentando ser apenas mais um documentário denunciando o plástico no mar, desenvolve ao longo dos temas mostrando como os problemas dos oceanos são sérios, como a situação do mar é preocupante.

Cena do documentário, cardume de atuns sendo pescados

O documentário é tão forte provoca incomodo em todas as esferas, é um documentário que divide opiniões, não sobre os problemas, mas sobre os comentários acerca dos problemas, ou mesmo sobre as soluções simplistas demais ao fim de tudo. Há quem questione a falta de pesquisadores que trabalham com a pesca no documentário apesar dos depoimentos da bióloga Sylvia Earle (Mission Blue Project), do oceanógrafo Callum Roberts (University of York), do biólogo etólogo Jonathan Balcombe (The Humane Society Institute for Science and Policy), da bióloga Lori Marino (Whale Sanctuary Project), do zoólogo Mark J. Palmer (International Marine Mammal Project), do biólogo Chris Langdon (University of Miami), do biólogo e observador de bordo Keith Davis, da bióloga marinha Dominique Barnes e da Cientista Socioambiental Christina Hicks (Lancaster University) que inclusive sem seu Tweeter declara que quando foi entrevistada não sabia para que veículo estaria dando entrevista e como ela seria utilizada, nem tinha ideia estar dando depoimento para um documentário.

Outra pesquisadora que aparece no documentário falando sobre a ONG Oceana é a Maria-Jose Cornax. A ONG em seu site publicou uma declaração declarando que os poucos minutos da entrevista que aparecem no documentário não passam de trechos curtos de uma entrevista de duas horas realizada com uma ex-funcionária da ONG, que foi uma das principais líderes da Oceana na conquista de vitórias políticas contra a pesca ilegal. Em sua declaração a Oceana pontua ainda as suas vitórias com relação à implementação de políticas públicas e no combate à pesca ilegal, além de elogiarem aqueles que tem coragem e condições de adotar um modo de vida que auxiliam na melhoria da saúde do planeta, porém esta realidade infelizmente não é acessível a todos e para centenas de milhares de pessoas em todo o mundo consumir frutos do mar não é uma escolha, mas sim uma questão de sobrevivência. Confira aqui a declaração da Oceana na íntegra.

Há quem afirme que apesar de toda documentação existem exageros nas denúncias, e há aqueles que acreditam que pesar do desconforto que causa no telespectador, o documentário que também tem o poder de prender a atenção até o final, tem um imenso valor ao trazer à tona um assunto tão importante e que precisa ser refletido, discutido, de forma séria. Há também quem acuse o documentário de elitista uma vez que ele mostra os asiáticos como criminosos contra o herói branco rico europeu apesar das denúncias contra o parlamento europeu e contra a MSC.

A crítica especializada parece ter ficado confusa também, em geral ela considera a obra necessária apesar de amadora, previsível, óbvia, com uma narrativa chata cujo objetivo final era somente apresentar o vegetarianismo como opção alimentar ignorando toda a problemática apresentada no documentário.

Uma coisa que aprendi quando comecei com as ações ativistas sobre o lixo marinho e ler as primeiras críticas negativas em relação as atividades foi que este tipo de ação precisa atingir o íntimo das pessoas precisa fazer elas pensarem e a melhor forma disso é incomodando, era jogando o lixo coletado dentro d´água, literalmente nos pés dos banhistas fazendo que em um dia de sol eles apreciem sua praia ao lado de uma pilha fétida de lixo produzida por eles mesmos. Aprendi que as repercussões e críticas que pareciam ser negativas não indicavam fracasso, mas sucesso já que o objetivo era fazer as pessoas pensarem no assunto abordado, discutirem este assunto, e para uma pessoa gastar do seu tempo escrevendo uma crítica, seja ela positiva ou negativa, ou até mesmo ofensiva, significa que a ação incomodou, provocou uma reação, fez o cidadão pensar para escrever sua crítica.

Imagino que o Ali e toda a equipe de produção deste documentário já estavam preparados para estas críticas e devem estar comemorando a repercussão da obra que ao que tudo indica, está cumprindo com o seu propósito, está incomodando.

O documentário conta ainda com depoimentos de grandes personalidades como Richard O´Barry (Dolphin Project), Paul Watson, Peter Hammarstedt, Lamya Essemlali, Stefano Tricanico, Alistair Allan e Tamara Arenovich (Sea Shepherd), Jackie Monbiot e Dianna Cohen (Plastic Pollution Coalition), Cyrill Gustch (Parley for the Oceans), Steve Trent (Environmental Justice Foundation), Gary Stokes (Oceans Asia), Paul de Gelder, Joseph F. Johnson, Corin Smith, Don Staniford, Richard Oppenlander, Karmenu Vella, George Monbiot, Jens Mortan Rasmussen, Jane M. Hightower e Michael Klaper.

Bom, a minha opinião pessoal é de que esse é um documentário necessário, que tem um desenrolar interessante e que aponta ao mesmo tempo uma infinidade de problemas sérios que a maioria das pessoas ignora no seu dia-a-dia. Achei bizarra a manipulação das entrevistas das pesquisadoras Christina Hicks e Maria-Jose Cornax, porém é típico dessas produções sensacionalistas que lembram muito o estilo do polêmico Michael Moore, mas apesar dessas manipulações (comuns na mídia em geral e em especial na sensacionalista) eu acho fundamental que este tipo de documentário tenha partido de pessoas comuns não cientistas, de repórteres que além de mostrar que existem pessoas que não são estudiosas do assunto que se preocupam, podem dar um foco investigativo e sem apego ao cientificamente correto considerando a importância mais em incomodar e provocar reflexões que em divulgar dados. Não assista ao documentário preocupado com informações técnicas, mas sim focado nas denúncias, nos problemas que são reais e sérios, e precisam ser pensados e discutidos.

Você assistiu ao documentário? Se sim, o que achou? Qual a sua opinião? Como ele te incomodou? Você concorda com as críticas?

Assista o documentário na Netflix.

Imagem de divulgação/capa do documentário

 

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Mergulhador e apaixonado pelos oceanos desde a infância.
Desde a década de 1990 está envolvido em ações e pesquisas relacionadas com a biota aquática, tendo sido coordenador de resgate do Centro de Resgate de Mamíferos Aquáticos (CRMA) do Instituto Mamíferos Aquáticos (IMA) e fundador do Centro de Pesquisa e Conservação dos Ecossistemas Aquáticos (Biota Aquática) e do EcoBioGeo Meio Ambiente & Mergulho Científico, e ao longo dos anos participou de projetos de pesquisa e de consultoria na ambiental em parceria com diversas instituições.
Também atua como instrutor de mergulho SDI e PADI.
Tem como objetivo, além de produzir informação de qualidade fomentar o reconhecimento e a qualificação dos mergulhadores científicos.

About Rodrigo Maia-Nogueira

Mergulhador e apaixonado pelos oceanos desde a infância. Desde a década de 1990 está envolvido em ações e pesquisas relacionadas com a biota aquática, tendo sido coordenador de resgate do Centro de Resgate de Mamíferos Aquáticos (CRMA) do Instituto Mamíferos Aquáticos (IMA) e fundador do Centro de Pesquisa e Conservação dos Ecossistemas Aquáticos (Biota Aquática) e do EcoBioGeo Meio Ambiente & Mergulho Científico, e ao longo dos anos participou de projetos de pesquisa e de consultoria na ambiental em parceria com diversas instituições. Também atua como instrutor de mergulho SDI e PADI. Tem como objetivo, além de produzir informação de qualidade fomentar o reconhecimento e a qualificação dos mergulhadores científicos.

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