Hoje, dia 21 de fevereiro de 2021 completam três meses desde que foram realizados os naufrágios planejados do ferry boat Agenor Gordilho e do rebocador offshore Vega as suas estruturas já se encontram completamente tomada por organismos incrustantes, os primeiros organismos a aparecer no naufrágio foram os hidrozoários em especial a colônias de Gymnagium longicauda e de Macrorhynchia philippina, além de algumas colônias de Sertularella sp. e logo em seguida algumas esponjas também começaram a aparecer em forma de discos e aos poucos foram se desenvolvendo, depois chegaram muitas ascídias-negras que podem ser vistas por praticamente todo o casco dos navios e também nas paredes externas e internas.


Ascídias-negras solitárias (Phallusia nigra) estão também entre os organismos mais abundantes na composição atual da comunidade incrustante dos naufrágios podendo ser encontradas em quase todas as paredes verticais e até mesmo em algumas estruturas negativas dos navios, seja na área externa, no casco, ou nos corredores, escadas, salões e conveses internos.

Aos poucos outros organismos incrustantes também vêm sendo observados colonizando as estruturas dos naufrágios e apresentando um certo “destaque”, dentre o briozoário-rendado-branco (Triphyllozoon cf. arcuatum), espécie exótica invasora que pode ser observado em ambos os naufrágios, tanto nas paredes internas quanto no assoalho. Espécie exótica originária do Indo-Pacífico cuja ocorrência no Brasil parece estar associada a substratos artificiais como plataformas de petróleo, piers e naufrágios, porém na baía de Todos os Santos, onde é considerada como amplamente distribuída, esta espécie também foi registrada em recifes naturais como bancos de esponjas e recifes de corais entre 0 e 35m de profundidade.

Nos mergulhos realizados à noite foi possível observar cracas (Cirripedia) balançando suas patas modificadas para fora do exoesqueleto por praticamente toda estrutura externa dos navios. Poliquetas-espanador (Sabellidae) também já são observados em alguns pontos dos naufrágios, em especial no assoalho das partes mais altas, passadiço e sobre os castelos de comando.

Dentre os invertebrados móveis o mais comum é o caranguejo-aranha (Stenorhynchus seticornis) que pode ser observado em toda a estrutura, mesmo no interior dos navios, nas áreas onde não há luz natural e nas áreas externas alguns camarões-palhaço (Stenopus hispidus) também têm sido observados, inclusive fêmeas ovadas e crinoides já estão presentes em diversos pontos em ambos os naufrágios. A aranha-do-mar (Pantopoda) que era facilmente observada nos primeiros 50 dias desde o afundamento já não é mais tão comum apesar de ocasionalmente um indivíduo ou outro ainda ser observado. Pequenos “camarões” e “caranguejos” não identificados ocasionalmente são observados entre os organismos incrustantes.

Outro crustáceo muito comum é o siri invasor, sirí-bidu (Charybdis hellerii), espécie já bem estabelecida na baía de Todos os Santos. O curioso é que a maioria dos registros deste animal nas estruturas dos naufrágios se refere a espécimes registrados mortos tanto no salão de passageiros, como nas varandas, passadiço e no assoalho dos conveses de automóveis.

CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

O registro da presença do briozoário-rendado-branco (Triphyllozoon cf. arcuatum), espécie invasora que representa potencial impacto em ambos os naufrágios, apesar de ser considerada uma espécie amplamente distribuída na baía de Todos os Santos, deve ser tratado como um alerta para que medidas de controle e erradicação deste organismo sejam realizadas enquanto é possível, permitindo que espécies nativas colonizem os espaços atualmente ocupados por estes organismos.
Um pesquisador que visitou a passeio ambos os naufrágios em janeiro de 2021 e que atua na pesquisa de organismos bentônicos nos alertou da possibilidade da ascídia-negra solitária que a gente observa em abundância nos naufrágios se trata de uma espécie exótica invasora, a Phallusia philippinensis e não da nossa Phallusia nigra que aparenta ser bastante semelhante e por isso facilmente confundível. Verificamos na literatura especializada e não identificamos algumas características da espécie invasora nos organismos que observamos nos naufrágios sugerindo que não se trata da espécie exótica, porém, considerando a possibilidade decidimos que será prudente verificar com um taxonomista especialista neste grupo a correta identificação taxonômica desta ascídia a fim de evitar alarmes falsos, informação que estará disponível nos próximos informes de acompanhamento.

Este mesmo pesquisador relatou ter observado exemplares tanto de P.nigra quanto de P.philippinensis no sítio dos naufrágios do Germânia e do Bretagne.
Uma vez confirmada a presença da ascídia-negra solitária invasora, assim como para o briozoário-rendado-branco um plano de combate à colonização da espécie nos novos naufrágios deverá ser implementado.
IMPORTANTE
Não autorizamos o uso das informações e das imagens desta postagem para fins comerciais especialmente a utilização dos dados apresentados em relatórios técnicos ambientais sem a devida autorização. O monitoramento da biota aquática nos naufrágios do ferry boat Agenor Gordilho e do rebocador Vega vem sendo realizado desde novembro de 2020 pela equipe da EcoBioGeo Meio Ambiente & Mergulho Científico em parceria com a Shark Dive Escola e Operadora de Mergulho de forma voluntária, por iniciativa própria e sem vínculo com nenhum processo de licenciamento ambiental.
REFERÊNCIAS E FONTES CONSULTADAS
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Autor(es)
Mergulhador e apaixonado pelos oceanos desde a infância.
Desde a década de 1990 está envolvido em ações e pesquisas relacionadas com a biota aquática, tendo sido coordenador de resgate do Centro de Resgate de Mamíferos Aquáticos (CRMA) do Instituto Mamíferos Aquáticos (IMA) e fundador do Centro de Pesquisa e Conservação dos Ecossistemas Aquáticos (Biota Aquática) e do EcoBioGeo Meio Ambiente & Mergulho Científico, e ao longo dos anos participou de projetos de pesquisa e de consultoria na ambiental em parceria com diversas instituições.
Também atua como instrutor de mergulho SDI e PADI.
Tem como objetivo, além de produzir informação de qualidade fomentar o reconhecimento e a qualificação dos mergulhadores científicos.