O problema das espécies de coral invasoras no litoral brasileiro

As espécies exóticas, invasoras e introduzidas podem comprometer a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos e tem representado uma crescente preocupação para os ecossistemas marinhos.

Os recifes são a principal fonte de espécies para abastecer o comércio de organismos ornamentais marinhos e durante toda a década de 1990 a captura excessiva de espécimes era considerado maior impacto deste comércio e atualmente a soltura de espécies exóticas oriundas deste mesmo comércio tem sido ainda mais preocupantes.

A soltura (introdução) de espécies exóticas somadas às espécies invasoras que chegam em águas de lastro ou aderidas em plataformas de prospecção de petróleo representam um dos maiores problemas atuais enfrentados pelos ambientes recifais, a proliferação de espécies exóticas, resultando em um processo de extinção local de espécies nativas (perda de biodiversidade) e consequentemente desestruturação das comunidades biológicas essenciais para a manutenção recifal.

Para se tornar invasora não basta um ou poucos espécimes serem soltos no ambiente, eles precisam ser robustas e resistentes (característica comum em espécies que apresentam condições para serem criadas em aquário) ter estratégias de reprodução massiva (reprodução assexuada, liberação de gametas na água em grande quantidade, capacidade de regeneração) e mecanismos de defesa e competição bem desenvolvidos e eficientes possibilitando que a propagação seja mais rápida que os processos naturais de erradicação e que os mecanismos de defesa e competição garantam sucesso na disputa por espaço e outros recursos com as espécie nativas.

Xênia-azul (Sansibia sp.) “sufocando” um Coral-mole-brasileiro (Neospongodes atlanticus) no naufrágio do Maraldi, Parque Marinho da barra (Foto: Rodrigo Maia-Nogueira)

As espécies com potencial de invasão, em especial os corais mole, tem a capacidade de cobrir grandes áreas e dominar completamente um recife e mesmo em suas áreas naturais de ocorrência, os recifes dominados por corais mole apresentam menor densidade de peixes e uma escassez de espécies de peixes maior porte do que nos recifes adjacentes uma vez que estes corais não formam estruturas complexas. Podemos ver isso comparando a área de cobertura do nosso Coral-mole-brasileiro (Neospongodes atlanticus) no Banco da Panela com os recifes mais complexos próximos, como o recife da Boa Viagem.

Aspecto do Banco da Panela, um banco de areia dominado pelo Coral-mole-brasileiro (Neospongodes atlanticus) com baixa densidade de peixes (Foto: Roberto Amarante Costa Pinto)

Parte do sucesso de invasão destas espécies se deve também ao fato de que por serem desconhecidas das demais espécies nativas elas não possuem predadores naturais e por mais que uma espécie ou outra as inclua em sua dieta (como o poliqueta-de-fogo, alguns moluscos gastrópodes como o Búzio-macumba e algumas espécies de ouriço), geralmente são espécies de baixa abundância e o fazem de forma oportunística, não representando portanto eficiência de controle da sua propagação.

Poliqueta-de-fogo (Hermodice carunculata) predadora natural de corais “passeando” sobre uma colônia de Xênia-azul (Sansibia sp.), uma potencial presa, no naufrágio do Maraldi, Parque Marinho da barra (Foto: Rodrigo Maia-Nogueira)

Na competição pelo espaço, existem relatos de esponjas que conseguem se sobrepor ao Coral-sol (Tubastraea spp.), as Desmapsamma anchorata, porém se tratam de esponjas de uma espécie com comportamento natural mais agressivo e de modo geral as outras espécies de esponjas nativas aparentemente “perdem” na competição com o coral-sol.

Xênia-azul (Sansibia sp.) “sufocando” uma esponja no naufrágio do Maraldi, Parque Marinho da barra (Foto: Rodrigo Maia-Nogueira)

Em relação ao Coral-sol, unica espécie de coral escleractíneo invasora em nosso litoral, parte do seu sucesso se dá pelo fato de não possuir dependência de simbiose com as algas simbiontes Zooxanthellae e por isso toleram áreas sombreadas, possuem maior plasticidade na escolha de substrato para se fixar e se mantém saudáveis em períodos de alta temperatura que provocam o branqueamento dos corais nativos. Exemplares de Coral-sol já foram registrados inclusive aderidos a pedaços de lixo plástico flutuante no canal de São Sebastião, litoral paulista demonstrando não só a sua plasticidade como sua baixa seletividade.

Colonia de Coral-sol (Tubastraea sp.) lutando pela sobrevivência mesmo soterrada no substrato arenolodoso, baía de Todos os Santos (Foto: Rodrigo Maia-Nogueira)

Espécies de Coral-sol inclusive foram registradas competindo por espaço com mexilhões nativos (Perna perna) na baía da Ilha Grande, Rio de Janeiro, existindo inclusive registros de exemplares se desenvolvendo em tanques de produção destes moluscos, demonstrando que ao longo do tempo esta espécie pode se tornar além de um problema ambiental, também um problema social e econômico associado à perdas de produtividade na aquicultura.

O potencial de invasão não é exclusivo das espécies de outras localidades, inclusive espécies comuns endêmicas do nosso litoral como o octocoral Carijoa riisei também são consideradas espécies invasoras em outras localidades, a exemplo do Havaí onde o C.riisei compete com as espécies de coral-negro (Antipatharia) nativas.

Octocoral nativo (Carijoa riisei), comum na baía de Todos os Santos (Foto: Rodrigo Maia-Nogueira)

O litoral brasileiro abriga uma baixa diversidade de fauna de corais de águas rasas, porém de grande relevância, com 17 espécies de octocorais, das quais 65% são endêmicas, e 19 de corais escleractíneos, dos quais 32% são endêmicos.

No Brasil as primeiras espécies de coral invasor foram registradas ainda na década de 1980 com a chegada do Coral-sol no Rio de Janeiro e de lá pra cá esta espécie invasora vem se espalhando por todo o litoral brasileiro, tendo sigo registrado na Bahia entre os anos de 2007 e 2008 e atualmente já tem registro para o litoral de diversos estados do Nordeste.

No sudeste brasileiro já existe o registro de algumas espécies invasoras que incluem além das espécies de Coral-sol (T.coccinea e T.tagusensis), os corais moles Xênia-azul (Sansibia sp.), o Coral-mole-de-Okinawa (Clavularia cf. viridis), o Coral-mole (Chromonephthea braziliensis) e o coral popularmente conhecido por Gorgônia-encristante (Erythropodium caribaeorum).

Coral-sol (Tubastraea sp.) registrado no naufrágio do Cavo Artemide, na entrada da baía de Todos os Santos em dezembro de 2007 (Foto: Rodrigo Maia-Nogueira)

Na Bahia além das espécies de Coral-sol, desde 2018 vem sendo observada a presença dos corais moles Xênia-azul e o Coral-mole-de-Okinawa, inicialmente em um trecho da praia do Porto da Barra e atualmente o Xênia-azul pode ser visto também na praia do Reloginho e ao redor do naufrágio do Maraldi, no Parque Marinho da Barra.

Xênia-azul (Sansibia sp.) “sufocando” uma colônia de zoantideo no naufrágio do Maraldi, Parque Marinho da barra (Foto: Rodrigo Maia-Nogueira)

As medidas de controle e erradicação destas espécies são difíceis de serem empregadas graças ao sucesso reprodutivo das espécies invasoras, se perder a janela de oportunidade de identificar a invasão ainda no seu início as espécies invasoras conseguem se propagar mais rapidamente do se consegue retirá-las.

Outra dificuldade na erradicação deste problema é a falta de interesse da sociedade, o que resulta em pouco recurso humano e financeiro necessários.

Um Macaquinho (Malacoctenus sp.) sobre uma colônia de Xênia-azul (Sansibia sp.) no naufrágio do Maraldi, Parque Marinho da barra (Foto: Rodrigo Maia-Nogueira)

Além disso, para combater esse problema uma legislação mais robusta e que inclua o controle ou mesmo a proibição do comércio de espécies com alto potencial invasor precisa ser elaborada para o Brasil. Isso sem falar em educação

O aquarista brasileiro em geral tem acesso à informação, grande parte sabe dos danos que a introdução de espécies pode causar e as consequências destes danos inclusive para a prática do aquarismo uma vez que este comércio depende dos recifes para existir, porém para alguns falta ainda educação.

Colônias do Coral-sol (Tubastraea sp.) fotografadas em um recife profundo na baía de Todos os Santos a mais de 35m de profundidade (Foto: Rodrigo Maia-Nogueira)

FONTES

Barros, F.C.R.; Almeida, A.C.S.; Cavalcanti, F.F.; Miranda, R.J.; Nunes, J.A.C.C.; Reis-Filho, J.A.; Silva, E.C. 2018. Espécies marinha exóticas e invasoras na baía de Todos os Santos. In.: Hatje, V.; Dantas, L.M.V.; Andrade, J.B. (Orgs.). Baía de Todos os Santos : Avanços nos estudos de longo prazo. Edufba, p.128-154 [Researchgate]

Batista, D.; Gonçalves, J.E.A.; Messano, H.F.; Altvater, L.; Candella, R.; Elias, L.M.C.; Messano, L.V.R.; Apolinario, M.; Coutinho, R. 2017. Distribution of the invasive orange cup coral Tubastraea coccinea Lesson, 1829 in an upwelling area in the South Atlantic Ocean fifteen years after its first record. Aquatic Invasions, 12(1):23-32 [PDF]

Capinelli, A.N.; Cordeiro, R.T.S.; Moura, R.L.; Kitahara, M.V. 2019. Morphological and molecular identificatio of octocorals (Cnidaria; Anthozoa) potentially invasive of brazilian southeastern. XX Simposio de Biologia Marinha, CEBIMAR/USP, p.34 [Anais PDF]

Carpinelli, A.N.; Cordeiro, R.T.S.; Neves, L.M.; Moura, R.L.; Kitahara, M.V. 2020. Erythropodium caribaeorum (Duchassaing and Michelotti, 1860) (Cnidaria: Alcyonacea), an additional alien coral in the Southwestern Atlantic. Zootaxa, 4822(2):175-190 [Researchgate]

Carvalho Junior, L. 2019. Mudanças temporais na comunidade bentônica da Praia Vermelha, baía da Ilha Grande, após a invasão de Sansibia sp. (Octocorallia, xeniidae). Monografia, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, 43 [PDF]

Concepcion, G.T.; Kahng, S.E.; Crepeau, E.C.; Franklin, E.C.; Coles, S.L.; Toonen, R.J. 2010. Resolving natural ranges and marine invasions in a globally distributed octocoral (genus Carijoa). Marine Ecology Progress Series, 401:113-127 [PDF]

Creed, J.C.; Fenner, D.; Sammarco, P.; Cairns, S.; Capel, K.; Junqueira, A.O.R.; Cruz, I.; Miranda, R.J.; Carlos-Junior, L.; Mantelatto, M.C.; Oigman-Pszczol, S. 2016. The invasion of the azooxanthellate coral Tubastraea (Scleractinia: Dendrophylliidae) throughout the world: history, pathaways and vectors. Biological Invasions, 24pp [Researchgate]

Faria, L.; Kitahara, M.V. 2019. Floating alien coral: a journey through the oceanus. XX Simposio de Biologia Marinha, CEBIMAR/USP, p.45 [Anais PDF]

Fleury, B.G.; Lages, B.L.; Barbosa, J.P.; Kaiser, C.R.; Pinto, A.C. 2008. New Hemiketal Steroid from the Introduced Soft Coral Chromonephthea braziliensis is a Chemical Defense against Predatory Fishes. Journal of Chemical Ecology, 34:987-993 [Researchgate]

Gomes, A.N.; Barros, G.A.; Pompei, C. 2015. Monitoramento extensivo e manejo do Coral-sol Tubastraea spp. (Cnidaria, Anthozoa) na estação ecológica de Tamoios, RJ, Brasil. VIII Congresso Brasileiro de unidades de Conservação, 6pp [PDF]

ICMBio. 2019. Guia de orientação para o manejo de espécies exóticas invasoras em Unidades de Conservação Federais. ICMBio, 156pp [PDF]

Lages, B.G.; Fleury, B.G.; Menegola, C.; Creed, J.C. 2011. Change in tropical rocky shore communities due to an alien coral invasion. Marine Ecology Progress Series, 438:85-96 [Researchgate]

Mantelatto, M.C.; Creed, J.C. 2015. Non-indigenous sun coral invade mussel beds in Brazil. Marine Biodiversity, 45:605-606 [Researchgate]

Mantelatto, M.C.; Silva, A.G.; Louzada, T.S.; mcFadden, C.S.; Creed, J.C. 2018. Invasion of aquarium origin soft corals on a tropical rocky reef in the southwest Atlantic, Brazil. Marine Pollution Bulletin, 130:84-94 [Researchgate]

Meurer, B.C.; Lages, N.S.; Pereira, O.A.; Palhano, S.; Magalhães, G.M. 2010. First record of native species of sponge overgrowing invasive corals Tubastraea coccinea anda Tubastraea tagusensis in Brazil. Marine Biodiversity Records, 3(e62):1-3 [Researchgate]

Miranda, R.J.; Porto, L.; Cruz, I.C.S.; Barros, F. 2012. Coral invasor Tubastraea spp. em recifes de corais e substratos artificiais na baía de Todos os Santos (BA). Congresso Brasileiro de Oceanografia, AOCEANO:1527-1532 [Researchgate]

Miranda, R.J.; Costa, I.; Lordes, F.L.; Nunes, J.A.C.C.; Barros, F. 2016. New records of alien cup-corals (Tubastraea spp.) within estuarine and reef systems in Todos os Santos Bay, Southwestern Atlantic. Marine Biodiversity Records 9:35 [Researchgate]

Miranda, R.J.; Nunes, J.A.C.C.; Mariano-Neto, E.; Sippo, J.Z.; Barros, F. 2018. Do invasive corals alter coral reef processes? An empirical approach. Marine Environmental Research [Researchgate]

Pérez, C.D.; Farrapeira, C.M.; Lima, S.T.; Cordeiro, R.T. 2015. Is the octocoral Erythropodium caribaeorum (Cnidaria: Anthozoa) a folkloric species from Brazil? PANAMJAS, Pan-American Journal of Aquatic Sciences, 10(1):68-75 [Researchgate]

Polejack, A. (Coord.) 2017. Grupo de Trabalho Coral sol : Relatorio Final. Marinha do Brasil, Plano Setorial para os Recursos do Mar (PSRM), 150pp [PDF]

Sampaio, C.L.S; Miranda, R.J.; Maia-nogueira, R.; Nunes, J.A.C.C. 2012. New occurrences of the nonindigenous orange cup corals Tubastraea coccinea and T. tagusensis (Scleractinia: Dendrophylliidae) in Southwestern Atlantic. Check List, 8:528–530 [Researchgate]

Tanasovici, R.M.; Kitahara, M.V.; Dias, G.M. 2019. Sun coral (Tubastraea spp.) population gorwth in a marina from Southeastern Brazil and its consequences to the diversity of benthic organisms. XX Simposio de Biologia Marinha, CEBIMAR/USP, p.48 [Anais PDF]

Tanasovici, R.M.; Kitahara, M.V.; Dias, G.M.; Vieira, E.A. 2019. Different abundances of sun coral (Tubastraea spp.) in a recreative marina on the São Sebastião Channel: investigating the importance of predation and hydrodynamism. XX Simposio de Biologia Marinha, CEBIMAR/USP, p.25 [Anais PDF]

About Rodrigo Maia-Nogueira

Mergulhador e apaixonado pelos oceanos desde a infância. Desde a década de 1990 está envolvido em ações e pesquisas relacionadas com a biota aquática, tendo sido coordenador de resgate do Centro de Resgate de Mamíferos Aquáticos (CRMA) do Instituto Mamíferos Aquáticos (IMA) e fundador do Centro de Pesquisa e Conservação dos Ecossistemas Aquáticos (Biota Aquática) e do EcoBioGeo Meio Ambiente & Mergulho Científico, e ao longo dos anos participou de projetos de pesquisa e de consultoria na ambiental em parceria com diversas instituições. Também atua como instrutor de mergulho SDI e PADI. Tem como objetivo, além de produzir informação de qualidade fomentar o reconhecimento e a qualificação dos mergulhadores científicos.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.