Os mais antigos naufrágios mergulháveis do Brasil
Na história brasileira um dos períodos mais marcantes do século XVII foi o período entre 1624 e 1654 caracterizado pelas invasões holandesas no Brasil ou o período da ocupação do Nordeste do Brasil pela Companhia Holandesa das Índias Ocidentais (West-Indische Compagnie – WIC), sob o comando do militar prussiano Maurício de Nassau, o maior conflito político-militar do Brasil colônia envolvendo questões diplomáticas entre Portugal, Espanha e Holanda que consistia em tomar o controle dos locais de produção de açúcar de Portugal e dos postos de comércio de escravos na África.
A invasão do território brasileiro teve início em 1624 com a tomada da capital da colônia, Salvador que durou um ano até serem expulsos pelas forças do recôncavo e desde então diversas batalhas foram travadas na baía de Todos os Santos na tentativa holandesa de retomar o domínio da cidade mais importante da colônia na época.

Em 1645 Portugal sob o comando de D. João IV, primeiro da dinastia dos Bragança, mobilizou os colonos a se revoltarem contra os holandeses enquanto enviava tropas para retomarem o domínio do território instaurando um período de batalhas que ficou conhecido como Guerras Brasilicas.
Em 28 de setembro de 1648, ao mesmo tempo em que os holandeses estavam sendo derrotados na Batalha dos Guararapes a frota holandesa do almirante Witte Corneliszoon de With formada pelas belonaves de guerra fortemente armadas nau-capitânia Brederods, o galeão Huys Van de Nassau, o galeão Wappen Van Nassau, o Gysseling, o Overijssel, o Harlen, o E.Zupthen e o Utrecht escondidas onde hoje está situada a praia de Caixa-Pregos surpreendeu a esquadra portuguesa sob o comando de Luís da Silva Teles, que trazia a bordo o novo Governador Geral do Brasil, D. Antônio Teles de Meneses, Conde de Vila Pouca de Aguiar.
A esquadra portuguesa em pânico se dispersa e as naves holandesas se dividem, duas delas, o galeão Utrecht armado com 20 canhões no bordo de bombordo e o galeão Huys Van Nassau armado com 16 canhões no bordo de boreste foram interceptar e atacar a nau Nossa Senhora do Rosário, sob o comando do Frei Pedro Carneiro, armada apenas com 9 canhões ao todo, flanquearam e um em cada bordo dispararam os canhões contra a nau portuguesa que não resistiu, porém o Frei Carneiro, já certo da sua morte e evitando que os holandeses abordassem a nau resolveu levar consigo também os inimigos e então tocou fogo nos barris de pólvora que estavam no paiol à bordo explodindo o próprio navio atingindo os dois galeões inimigos.

Nesta batalha estima-se que morreram os 100 tripulantes da nau Nossa Senhora do Rosário e algo em torno de 300 tripulantes do galeão Utrecht. Documentos históricos relatam que 26 tripulantes do Utrecht sobreviveram e foram para nas praias da ilha de Itaparica agarrados em destroços do navio.
O galeão Huys Van Nassau apesar de quase completamente destruído, a maior parte dos seus destroços derivou até os recifes costeiros da praia de Aratuba. Destroços que posteriormente foi resgatado pelos portugueses que restauraram e rebatizaram sob o nome de Fortuna.

O galeão Utrecht e a nau Nossa Senhora do Rosário foram à pique próximas uma da outra, a aproximadamente 5,3 milhas náuticas da costa da ilha de Itaparica.

Passaram-se 330 anos até que em 1981 o mergulhador e explorador caça tesouros norte americano Robert F. Marx, conhecido como o pai da arqueologia submarina, encontrou os destroços do galeão Utrecht e em 1982 o mergulhador e explorador soteropolitano Walter Andrade também chegou aos destroços e obteve autorização da Marinha do Brasil para explorá-lo.

Durante a exploração do Utrecht foram encontrados muitos objetos em estanho, das quais varias delas foram restauradas e replicadas pela empresa John Somers Estanhos e Móveis e hoje fazem parte da sua coleção, uma das maiores e mais completas coleções de peças de estanho do mundo.

Alguns canhões e outros artefatos coletados no galeão Utrecht podem ser vistos no Museu Náutico da Bahia no de Forte Santo Antônio da Barra, Farol da Barra, Salvador e no Museu Naval e Oceanográfico da Marinha, no Rio de Janeiro.

Por muitos anos a localização da nau Nossa Senhora do Rosário era desconhecida até que em 2008 o mergulhador László Mocsári, munido de informações obtidas com o explorador Walter Andrade e com informações históricas contidas nos livros do prof. José Goes de Araújo, organizou uma expedição com os mergulhadores Bruno Fagundes, Eurípedes Vieira Lima e Ricardo “Chango” Villegas para encontrar os destroços da nau.
Os destroços da nau Nossa Senhora do Rosário estão entre 150m e 200m de distância dos destroços do galeão Utrecht seguindo o rumo de 45º.

Os destroços do galeão Utrecht encontram-se a 21m de profundidade espalhados em um raio de aproximadamente 100m nas coordenadas 13°07.828’S e 038°39.225’W. Os lastros do navio foram movidos no período da exploração e alinhados formando duas paredes que continham os sedimentos movimentados pelas marés facilitando as escavações.

Apesar da grande quantidade de artefatos retirados, o que inclui alguns canhões, ainda é possível reconhecer 15 canhões inteiros e dois fragmentos de um 16º canhão, pedaços de madeira do casco, e 5 grandes âncoras inteiras e dois fragmentos.

Modelo tridimensional do naufrágio do galeão Utrecht elaborado pelo pesquisador Ph.D. Kotaro Yamafune (Texas A&M University) para o projeto de doutoramento do pesquisador Rodrigo de Oliveira Torres (Texas A&M Universtiy). Este projeto contou com o apoio da Agência Holandesa do Patrimônio Cultural (Dutch Cultural Heritage Agency), da Texas A&M Universtiry e do Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

O sítio dos destroços da nau Nossa Senhora do Rosário também se encontra a 23m de profundidade, nas coordenadas 13°07.762’S e 038°39.145’W, e consiste em um amontoado de pedras de lastro, 2 âncoras e 9 canhões, alguns desses canhões espalhados a maios de 20m de distância do amontoado de lastros sugerindo que a explosão do navio foi realmente muito forte.
Ambos os naufrágios estão a mais de 1:30h de navegação partindo do Porto de Salvador nas embarcações mais rápidas das operadoras de mergulho locais ou a pouco mais de 2:00h nas demais embarcações. A visibilidade média nos sítios é de 10m a 20m, podendo ficar ainda maior nos períodos de maré morta durante o verão.

A fauna apesar de abundante não é muito diversa, mas cardumes de jaguaraçás (Holocentrus adscensionis), alguns neons (Elacatinus figaro), moreias (Gymnothorax funebris), linguados (Pleuronectiformes), garoupinhas-mármore (Alphestes afer) e alguns outros peixes, além de tartarugas-marinhas (Chelonidae), além de cardumes de peixes de passagem como os pampos (Trachinotus goodei) e as enxadas (Chaetodipterus faber) são comuns sobre os destroços dos naufrágios que estão totalmente recobertos por esponjas, algas e outros organismos bentônicos. Rodolitos também compõem a biota nestes sítios.

São mergulhos fenomenais na nossa história!


FONTES
Browers, W.F.G.; Manders, M.R. (Eds.). 2016. The Utrecht (1648): A shipwreck of the Dutch admiralty in the Baía de Todos os Santos, Brazil: its history from battle to archaeological assessment. Cultural Heritage Agency, Ministry of Education, Culture and Science, 120pp [PDF]
Carvalho, M. Naufrágio Utrecht. Naufrágios do Brasil. Acessado em 05/05/2020 [Link]
Fagundes, B. 2008. Galeão Nossa Senhora do Rosário. Brasil Mergulho. Acessado em 05/05/2020 [Link]
Kopp, T. 2001. Site Drawings. Treasure lies in the eye of the beholder. Acessado em 05/05/2020 [Link]
Sganzerla, T. 2011. A invasão holandesa e o galeão Utrecht. Naufrágios e Piratas na Bahia. Acessado em 05/05/2020 [Link]
Torres, R.; Castro, F. 2012. The Utrecht Shipwreck: Research Effort: Preliminary report and artifact catalogue. Natural Heritage Program RCE (Netherlands); Nautical Archaeology Program, Texas A&M University (USA), 42pp [PDF]
Torres, R.; Yamafune, K. 2014. Shipwrecks of the Itaparica naval combat (1648). 26pp [Researchgate]
Autor(es)
Mergulhador e apaixonado pelos oceanos desde a infância.
Desde a década de 1990 está envolvido em ações e pesquisas relacionadas com a biota aquática, tendo sido coordenador de resgate do Centro de Resgate de Mamíferos Aquáticos (CRMA) do Instituto Mamíferos Aquáticos (IMA) e fundador do Centro de Pesquisa e Conservação dos Ecossistemas Aquáticos (Biota Aquática) e do EcoBioGeo Meio Ambiente & Mergulho Científico, e ao longo dos anos participou de projetos de pesquisa e de consultoria na ambiental em parceria com diversas instituições.
Também atua como instrutor de mergulho SDI e PADI.
Tem como objetivo, além de produzir informação de qualidade fomentar o reconhecimento e a qualificação dos mergulhadores científicos.
Excelente artigo dos Galeões que contam parte de nossa história!
Pude aprender bastante. Obrigado por compartilhar!