Tubarões e Raias com registro na costa Soteropolitana e Baía de Todos os Santos

Apesar de não lembrar exatamente a data, nem mesmo o ano exato eu tenho certeza (foi em algum momento entre 1996 e 1997) eu não me esqueço o dia que marcamos de mergulhar próximo a uma plataforma que estava a dias parada algumas milhas em frente à praia de Amaralina.

O mergulho aconteceu tranquilamente, já era nosso segundo dia de mergulho por lá (no primeiro eu tinha levado falta), e após o mergulho, com a maioria do pessoal já no barco e desequipado, a tripulação da plataforma começou a gritar desesperadamente dizendo que havia tubarão na água … além de Marcos “Abelha” não lembro mais quem estava mergulhando esse dia, só lembro de alguém gritar que era um tubarão baleia e pular na água.

Era um tubarão baleia (Rhincodon typus) realmente, era do tamanho do barco de mergulho (não recordo se era o Papillon ou se era o Thunder).

Outra vez que tive a oportunidade de mergulhar com um tubarão em águas soteropolitanas foi em 1997 no naufrágio do “finado” Cavo Artemidi quando ainda era possível chegar ao eixo do navio a cerca de 30 m de profundidade.

Nesse dia eu guiava o mergulho de um turista que não recordo a nacionalidade, mas que falava inglês e apesar de ser um mergulhador avançado não era muito experiente, decidi apenas nadar em volta do navio com ele. Quando nos aproximávamos do eixo do navio o turista tirou o regulador da boca e começou a gritar algo parecido a “shark”, na hora imaginei que seriam beijupirás (Rachycentron canadum) peixes ósseos que tem um nado parecido e ocasionalmente eram avistados por ali pelo naufrágio, mas o turista que pelo visto nunca tinha mergulhado com tubarões parecia apavorado e apontava insistentemente para o eixo, foi quando avistei o único tubarão-lixa (Ginglymostoma cirratum) que vi (mergulhando em águas soteropolitanas) em mais de 30 anos de mergulhos.

Mantive o rumo nadando em direção ao tubarão mas não consegui chegar muito porto porque ele resolveu seguir em direção ao mar aberto, para longe do naufrágio e na região as correntezas são muito fortes, resolvi não arriscar.

Treme-treme (Narcine brasiliensis) registrada no Porto da Barra.

Pequenas raias elétricas (Narcine brasiliensis) conhecidas por aqui pelo nome de treme-treme eu sempre avistei nas águas do Porto da Barra, na praia da Boa Viagem e na praia do Humaitá. Não tenho uma data que marque como primeira avistagem, apenas alguns fatos curiosos de interação com elas … em um desses, chovia bastante na baía de Todos os Santos mas nada que impedisse um mergulho, em especial um checkout de águas abertas de um grupo de alunos de Open Water Diver na praia da Boa Viagem.

Treme-treme (Narcine brasiliensis) registrada no Porto da Barra a menos de 2m de profundidade.

Eu já estava no barco quando o tempo virou e começaram a cair raios no meio da baía, resolvi cair em apneia para avisar aos demais instrutores que ainda estavam na água, foi quando ao chegar no fundo, por algum motivo fui me apoiar na areia para fazer sinal para o instrutor subir e coloquei a mão em cima de uma treme-treme … quem já tentou tocar em uma raia destas sabe que o choque dela assusta … agora imagine, caindo raios, n vi onde coloquei a mão achando que estava colocando a mão na areia e levo um choque, obviamente, na hora eu achei que um raio havia caído ali.

Em 1996 tive a oportunidade de observar uma raia-viola (Rhinobatos percellens) enquanto mergulhava em uma das enseadas da ilha dos Frades, a visibilidade não estava boa e logo perdemos o animal de vista. Alguns anos depois, em 2005, tive a oportunidade de ver alguns exemplares próximos ao pier da Barra do Paraguaçu e recentemente alguns mergulhadores tem relatado a avistagem de raias-viola no molhe Sul.

No inicio dos anos 2000 existia uma operadora de mergulho em Salvador que tinha como pontos de mergulho os recifes internos da baía de Todos os Santos, o recife da Gaituba, da Mangaba, das Mangueiras e outros, e em mais de um deles e em mais de uma ocasião pude observar neste período belíssimas raias-chita (Aetobatus narinari), inclusive observá-las saltando fora d´água.

Não raramente quando descia sozinho no Cavo Artemidi para apoitar o barco (quando a proa do naufrágio ainda não tinha sido engolida pelo banco de areia), ainda antes dos turistas e demais mergulhadores caírem na água, não era raro ver algumas raias-chita por lá. Arredias, na maioria das vezes estas arraias fugiam antes mesmo de eu subir ao barco e liberar os demais mergulhadores. Instrutores e Dive Masters de outras operadoras também sempre faziam o mesmo relato.

Enorme raia do gênero Hypanus registrada no Parque Marinho da Barra, a menos de 5m de profundidade.

Também já tive a oportunidade de mergulhar com raias do gênero Hypanus em diversos pontos, algumas delas no Parque Marinho da Barra, algumas no Porto da Barra, algumas no Cavo Artemidi, algumas em Jaguaribe, algumas nos recifes internos da baía de Todos os Santos …

Raia Hypanus sp. registrada em 2008 a 20 m de profundidade, em frente à praia de Jaguaribe.

Infelizmente nem todos os registros que fiz de tubarões e raias em águas soteropolitanas e no interior da baía de Todos os santos foram com mergulho ou envolveram animais vivos. Durante um tempo em um projeto da bióloga Priscila Malafaia realizado com o desembarque de pescados na colônia de pesca da Pituba acompanhamos o desembarque de diversos cações-frango (Rhizoprionodon porosus e R.lalandii), todos eles capturados em frente á praia da Pituba, a menos de 1 km da costa.

Também já tive a oportunidade de estar em um barco à serviço na baía de Todos os Santos e um cação-frango (R.porosus) ser capturado com linha e anzol.

Cação-frango (Rhizoprionodon porosus) capturado com linha e anzol na baía de Todos os Santos

Em um monitoramento de atividades de pesca que trabalhei na região de Salinas da Margarida e foz do Rio Paraguaçu também observei alguns R.porosus e diversas espécies de arraia, dentre elas a arraia-borboleta (Gymnura micrura), a arraia-viola (Rhinobatos percellens) e a arraia-morcego (Rhinoptera bonasus), além várias do gênero Hypanus capturadas, no convés das embarcações locais que eu fazia a abordagem.

REGISTROS CIENTÍFICOS

Existem ainda alguns registros científicos obtidos através de pesquisas direcionadas para estes animais na baía de Todos os santos ou registros obtidos em levantamentos de ictiofauna e de desembarques pesqueiros. Seguem alguns destes registros:

Em 1991 o pesquisador A. Amado-Gama apresentou em seu Trabalho de Conclusão de Curso os resultados do estudo que realizou sobre o hábito alimentar e comentários sobre a biologia reprodutiva de duas espécies de tubarão para a baía de Todos os santos, o Rhizoprionodon lalandii e o R. porosus.

Em 1998 o Prof. Paulo Roberto Duarte Lopes e colaboradores publicou na Revista Brasileira de Zoologia uma lista de espécies identificadas para o manguezal da praia de Cacha Pregos, na ilha de Itaparica onde consta o registro da raia treme-treme (Narcine brasiliensis).

Em 2010 o pesquisador José Amorim Reis-Filho e colaboradores citaram em um artigo sobre a ictiofauna do estuário do rio Paraguaçu a ocorrência do cação-frango (Rhisoprionodon porosusi) e de X espécies de raias (Narcine brasiliensis, Rhinobatos percellens, Hypanus guttata, H. americana, Gymnura micrura e Rhinoptera bonasus). Posteriormente em 2014 José Amorim Reis-Filho publicou com colaboradores no periódico Marine Biodiversity Records o registro do tubarão-martelo (Sphyrna tiburo) para a baía de Todos os Santos após duas décadas sem nenhuma notícia da espécie para a baía.

Tubarão-baleia (Rhincodon typus) encalhado na praia de Busca Vida em 2013.
Fonte: Sampaio et al (2018)

Em 2013 um tubarão-baleia (Rhincodon typus) encalhou morto na praia de Busca Vida, Camaçari e os dados desta ocorrência foram citados em um artigo do pesquisador Claudio Luis S. Sampaio e colaboradores publicado em 2018 no periódico Environmental Biology of Fishes onde também é comentado o registro de um espécime registrado em 2008 se alimentando próximo à plataforma de Gás do Manatí na ilha de Tinharé. Apesar destes registros representarem ocorrências fora da costa soteropolitana e da baía de Todos os Santos eles ocorreram imediatamente após os limites norte e sul desta área.

Em 2014 a pesquisadora Camila Marion e colaboradores publicou na revista Panamerican Jouornal of Aquatic Science o primeiro registro para a raia Pteroplatytrygon violacea para a baía de Todos os Santos e em 2015 apresentou sua tese de Doutorado em Ciências pela USP sobre a função da baía de Todos os Santos no ciclo de vida da raia-branca (Hypanus guttata). Na sua tese, além da H. guttata e da P. violacea, a Marion cita ainda a ocorrência de raias das espécies (Aetobatus narinari, Hypanus americana, H. marianae, Gymnura altavela, G. micrura, Manta birostris, Narcine brasiliensis, Rhinobatos percellens e Rhinoptera bonasus).

Registros da Imprensa e Das Redes Sociais

Existe uma infinidade de registros destes animais feitos pela imprensa, seja de animais encontrados encalhados, ou de animais capturados ou mesmo de avistagens feitas no ambiente natural e com a popularização das câmeras digitais que hoje vem em praticamente todos os celulares e o habito de se divulgar tudo nas redes sociais estes registros são cada vez mais comuns. Seguem alguns destes registros:

Em 9 de dezembo de 2007 um tubarão-martelo foi encontrado por pescadores da Colônia de Pesca da Pituba, o fato foi divulgado no portal Notícias Online.

Em 2 de fevereiro de 2011 um tubarão foi filmado nadando entre os pilares do pier do Ed. Morada dos Cardeias na Vitória. Apesar de ser possível identificar nitidamente que se trata de um tubarão, pelas imagens não ´é possível identificar a espécie. Este vídeo viralizou e muita gente recebeu nas suas redes sociais. Quem não viu na época este vídeo ainda está disponível no Youtube.

Em 2014 o BATV apresentam um vídeo feito por banhista na Pedra do Sal em Itapuã onde um tubarão-galha-preta ( Carcharhinus limbatus ) aparece saltando logo após a arrebentação alheio aos surfistas que estão logo à frente e que também ignoram a presença do tubarão. A noticia também saiu no portal iBahia.

Em abril de 2016 o site de notícias Informe Baiano relatou a captura de dois tubarões-galha-preta (Carcharhinus limbatus) por pescadores do Canta Galo na baía de Todos os Santos, um no dia 22 de março e outro no dia 10 de abril deste ano. Além dos registros a matéria é interessante pois trás uma excelente entrevista com o pesquisador Cláudio Luis S. Sampaio sobre a ocorrência de tubarões em Salvador. O registro do dia 22 de abril também foi noticiado pelo Varela Noticias.

Tubarão-lombo-preto (Carcharhinus falciformis) capturado em Itapuã.
Fonte: Correio da Bahia

Em julho de 2017 um tubarão-lombo-preto (Carcharhinus falciformis) foi capturado por pescadores em frente à praia de Itapuã. O ocorrido foi relatado pelo Jornal Correio da Bahia.

No dia 17 de abril de 2018 um grupo de caçadores submarinos encontrou com um tubarão-baleia (Rhincodon typus) na praia de Itapuã. Este tubarão levava preso em sua nadadeira peitoral direita uma rede de pesca que os caçadores ajudaram a retirar. Esta ocorrência foi noticiada no BATV.

Em 23 de junho de 2018 o BATV mostrou um vídeo de um tubarão-martelo (Shpyrna cf. mokarran) capturado e morto por caçadores submarinos na praia de Armação.

Lista de Espécies Citadas Neste Texto

A lista abaixo não reflete a totalidade das espécies de elasmobrânquios (tubarões e raias) que ocorrem na costa de Salvador e interior da baía de Todos os Santos.

  • Classe Chondrichthyes
    • Ordem Carcharhiniformes
      • Família Carcharinidae
        • Tubarão-lombo-preto (Carcharhinus falciformis)
        • Tubarão-galha-preta (Carcharhinus limbatus)
        • Cação-frango (Rhizoprionodon porosus)
        • Cação-frango (Rhizoprionodon lalandii)
        • Tubarão-martelo (Sphyrna tiburo)
        • Tubarão-martelo-panam (Sphyrna mokarran)
    • Ordem Orectolobiformes
      • Família Ginglymostomatidae
        • Tubarão-lixa (Ginglymostoma cirratum)
      • Família Rhincodontidae
        • Tubarão-baleia (Rhincodon typus)
    • Ordem Torpediniformes
      • Família Narcinidae
        • Treme-treme (Narcine brasiliensis)
    • Ordem Rhinopristiformes
      • Família Rhinobatidae
        • Raia-viola (Pseudobatos percellens)
    • Ordem Myliobatiformes
      • Família Dasyatidae
        • Raia-branca (Hypanus guttata)
        • Raia-do-sul (Hypanus americana)
        • Raia-de-olhos-grandes (Hypanus marianae)
        • Raia-de-fundo (Pteroplatytrygon violacea)
      • Família Gymnuridae
        • Raia-borboleta (Gymnura altavela)
        • Raia-borboleta (Gymnura micrura)
      • Família Myliobatidae
        • Raia-morcego (Rhinoptera bonasus)
        • Raia-manta (Manta birostris)

Considerações

Apesar dos tubarões e raias serem mais comuns em águas soteropolitanas e no interior da baía de Todos os Santos do que se imagina, esta constatação não significa que nossas águas são perigosas por conta do risco de ataque destes animais. Temos registros de avistagens e ocorrências de quase 30 anos (ou mais) e nenhuma associação a ataques.

Referências Bibliográficas

Amado-Gama, A. 1991. Estudo sobre o hábito alimentar de duas espécies de cação Rhizoprionodon lalandii (Valenciennes, 1839) e Rhizoprionodon porosus (Poey, 1961) (Euselachii, Carcharhinidae), comentários sobre a biologia reprodutiva das fêmeas de R. lalandii e R. porosus e descrição da pesca na baía de Todos os Santos (BA) e áreas adjacentes. Monografia de Conclusão de Curso, Ci~encias Biológicas, Universidade Federal da Bahia.

Lopes, P.R.D.; Oliveira-Silva, J.T.; Ferreira-Melo, A.S.A. 1998. Contribuição ao conhecimento da ictiofauna do manguezal de Cacha Pregos, Ilha de Itaparica, Baía de Todos os Santos. Revista Brasileira de Zoologia, 15(2):315:325.

Marion, C.; Olavo, G.; Soares, L.S.H. 2014. The first record of Pteroplatytrygon violacea (Bonaparte, 1832) (Elasmobranchii: Dasyatidae) in the shallow waters of Todos os Santos Bay, northeastern Brazil. Panamerican Journal of Aquatic Science, 9(2):126-130.

Marion, C. 2015. função da Baía de Todos os Santos, Bahia, no ciclo de vida da Arraia-branca, Dasyatis guttata (Elasmobranchiii: Dasyatidae). Tese de Doutorado em Ciências, Universidade de São Paulo, 181pp.

Reis-Filho, J.A.; Nunes, J.A.C.C.; Ferreira, A. 2010. Estuarine ichtyofauna of the Paraguaçu River, Todos os santos Bay, Bahia, Brazil. Biota Neotropica, 10(4):12pp.

Reis-Filho, J.A.; Sampaio, C.L.S.; Leite, L.; Oliveira, G.S.A.; Loiola, M.; Nunes, J.A.C.C. 2014. Rediscovery of bonnethead shark Sphyrna tiburo after more than two decades of non-record on central coast of Brazil. Marine Biodiversity Records, 7:1-7.

Sampaio, C.L.S.; Leite, L.; Reis-Filho, J.A.; Loiola, M.; Miranda, R.J.; Nunes, J.A.C.C.; Macena, B.L. 2018. New insights into whale shark Rhincodon typus diet in Brazil: an observation of ram filter-feeding on crab larvae and analysis of stomach contents from the first stranding in Bahia state. Environmental Biology of Fishes, 10pp.

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Autor(es)

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Mergulhador e apaixonado pelos oceanos desde a infância.
Desde a década de 1990 está envolvido em ações e pesquisas relacionadas com a biota aquática, tendo sido coordenador de resgate do Centro de Resgate de Mamíferos Aquáticos (CRMA) do Instituto Mamíferos Aquáticos (IMA) e fundador do Centro de Pesquisa e Conservação dos Ecossistemas Aquáticos (Biota Aquática) e do EcoBioGeo Meio Ambiente & Mergulho Científico, e ao longo dos anos participou de projetos de pesquisa e de consultoria na ambiental em parceria com diversas instituições.
Também atua como instrutor de mergulho SDI e PADI.
Tem como objetivo, além de produzir informação de qualidade fomentar o reconhecimento e a qualificação dos mergulhadores científicos.

About Rodrigo Maia-Nogueira

Mergulhador e apaixonado pelos oceanos desde a infância. Desde a década de 1990 está envolvido em ações e pesquisas relacionadas com a biota aquática, tendo sido coordenador de resgate do Centro de Resgate de Mamíferos Aquáticos (CRMA) do Instituto Mamíferos Aquáticos (IMA) e fundador do Centro de Pesquisa e Conservação dos Ecossistemas Aquáticos (Biota Aquática) e do EcoBioGeo Meio Ambiente & Mergulho Científico, e ao longo dos anos participou de projetos de pesquisa e de consultoria na ambiental em parceria com diversas instituições. Também atua como instrutor de mergulho SDI e PADI. Tem como objetivo, além de produzir informação de qualidade fomentar o reconhecimento e a qualificação dos mergulhadores científicos.

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